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O Céu Também Tem Nuvens

Pessoas normais

Janeiro 31, 2021

A Sally Rooney teve a minha atenção pela banalidade dos títulos: “Conversas com amigos” e “Pessoas normais”, os livros mais conhecidos da autora, atravessaram-se muitas vezes no meu feed em 2020. E agradava-me a ideia de ser uma história “só” sobre o que é comum, e que muitas vezes acaba por ser pano secundário para as desventuras de alguém especial, quando, na verdade, é aquilo que dá corpo a todos os dias.

Esta ideia foi desfeita quando comecei a ler o “Pessoas normais”. Confesso, não gostei nada do início. Senti que estava a ler uma novela para adolescentes, com pessoas a preto e branco, populares fúteis versus inteligentes inadaptados à sociedade e, no meio desta dinâmica, duas pessoas “especiais”, que respeitavam as normas com relutância, e fingiam encaixar sem de facto pertencer àqueles grupos.

Fui à contracapa, reli as críticas positivas, e então não desisti – dei uma segunda oportunidade ao livro. Felizmente, não demorou muito até ganhar outra densidade e captar o meu interesse. Os personagens principais, o Connel e a Marianne, deixaram de ser apenas adolescentes retratados com pouco fundo, para se mostrarem indivíduos muito mais complexos, não só na sua relação como no íntimo de cada um.

E o que penso que fez este livro valer mesmo a pena foi precisamente esse equilíbrio. Por um lado, perceber-se como aquelas duas pessoas, ambas normais nos seus desejos e ambições, tinham uma bagagem e forma de lidar com ela muito próprias. Por outro, entender de que forma é que isso acaba por interferir na forma delas se relacionarem – por mais que gostassem um do outro, tinham claramente formas distintas de gostar, de sentir e de se expressarem, o que muito naturalmente – e normalmente – complica esta relação de uma forma tão leve quanto profunda.

Um livro em que nas passagens mais simples são percetíveis as contradições e motivos de perturbação que tornam as vidas “normais” muito mais complexas do que aquilo que se chega muitas vezes a pensar.  

 

A quem leu, sentiu o mesmo, ou sou eu que estou a complicar? Aos restantes, ficaram curiosos? É uma história que vos interessa?

1Q84

Janeiro 22, 2021

Foi esta trilogia que me introduziu a Murakami e, até agora, é sem dúvida a minha obra favorita do autor. 

É uma história contemporânea de amor, de mistério, mas sobretudo de muita fantasia. O livro não nos transporta para outro mundo – faz-nos oscilar entre mais do que um, ao mesmo tempo que deixa a sensação que não arredamos pé do nosso, já que é uma história dos dias de hoje. O Tengo, a Aomame e a Fuka-Eri fazem-nos dar saltos entre realidades, misturar magia com as coisas mais mundanas, numa história impressionante e de uma imaginação, lá está, mesmo do outro mundo.

Este livro apresentou-me também a muitas constantes do Murakami, as quais só percebi que eram recorrentes nos seus livros ao longo das leituras seguintes, claro. Estou a falar de gatos, literatura, música, culinária, exercício físico, pormenores da expressão humana e por fim amores, à sua maneira, intemporais. 

O livro faz uma reflexão sobre a escrita, não fossem dois dos personagens principais escritores. Como leitora que também gosta de pegar no lápis e no papel, fiquei logo interessada nesta parte. A música, em particular a clássica, é constantemente referida – como se o autor nos quisesse dar uma banda sonora para a leitura. Mas, como se isso não bastasse, dá-nos ainda os sabores, descrevendo várias refeições com detalhe, e sensações físicas muito precisas, que honestamente farão todo o sentido para aqueles que costumem dar alguma atenção ao corpo.  

Todas estas descrições contribuem para entrarmos naquela realidade, mas temos ainda o extra de o livro estar repleto de asteriscos que vão clarificando aquelas referências à cultura japonesa que nos poderiam deixar confusos, ou simplesmente escapar. Lembro-me ainda de ficar admirada com a forma como o Murakami capta e descreve pequenos detalhes, micro expressões, gestos que normalmente passariam despercebidos ao olho e à narrativa mas nos quais nos conseguimos facilmente rever. Para mim, nisto, ele é genial.

Vou terminar a realçar um último traço que me é querido nos livros deste autor, nos do 1Q84 em particular: estão repletos de desencontros, e não são uns desencontros quaisquer (têm mesmo de ler, senão não tem piada). Mas a solidez das ligações amorosas, que se mantêm vivas mesmo sofridas as reviravoltas mais alucinantes, é algo que muito me agrada e que não sai como forçado. Há aqui uma naturalidade e genuinidade dos sentimentos, assim como uma elasticidade estoica e sem culpa que são, sem dúvida, um porto seguro nesta leitura.

Estendi-me um pouco, mas foi um dos meus primeiros amores, e dos que me dá mais certezas que a literatura contemporânea tem muito para oferecer e por onde ir buscar magia. 

Vocês gostam de leituras mais alternativas? 

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