Foi esta trilogia que me introduziu a Murakami e, até agora, é sem dúvida a minha obra favorita do autor.
É uma história contemporânea de amor, de mistério, mas sobretudo de muita fantasia. O livro não nos transporta para outro mundo – faz-nos oscilar entre mais do que um, ao mesmo tempo que deixa a sensação que não arredamos pé do nosso, já que é uma história dos dias de hoje. O Tengo, a Aomame e a Fuka-Eri fazem-nos dar saltos entre realidades, misturar magia com as coisas mais mundanas, numa história impressionante e de uma imaginação, lá está, mesmo do outro mundo.
Este livro apresentou-me também a muitas constantes do Murakami, as quais só percebi que eram recorrentes nos seus livros ao longo das leituras seguintes, claro. Estou a falar de gatos, literatura, música, culinária, exercício físico, pormenores da expressão humana e por fim amores, à sua maneira, intemporais.
O livro faz uma reflexão sobre a escrita, não fossem dois dos personagens principais escritores. Como leitora que também gosta de pegar no lápis e no papel, fiquei logo interessada nesta parte. A música, em particular a clássica, é constantemente referida – como se o autor nos quisesse dar uma banda sonora para a leitura. Mas, como se isso não bastasse, dá-nos ainda os sabores, descrevendo várias refeições com detalhe, e sensações físicas muito precisas, que honestamente farão todo o sentido para aqueles que costumem dar alguma atenção ao corpo.
Todas estas descrições contribuem para entrarmos naquela realidade, mas temos ainda o extra de o livro estar repleto de asteriscos que vão clarificando aquelas referências à cultura japonesa que nos poderiam deixar confusos, ou simplesmente escapar. Lembro-me ainda de ficar admirada com a forma como o Murakami capta e descreve pequenos detalhes, micro expressões, gestos que normalmente passariam despercebidos ao olho e à narrativa mas nos quais nos conseguimos facilmente rever. Para mim, nisto, ele é genial.
Vou terminar a realçar um último traço que me é querido nos livros deste autor, nos do 1Q84 em particular: estão repletos de desencontros, e não são uns desencontros quaisquer (têm mesmo de ler, senão não tem piada). Mas a solidez das ligações amorosas, que se mantêm vivas mesmo sofridas as reviravoltas mais alucinantes, é algo que muito me agrada e que não sai como forçado. Há aqui uma naturalidade e genuinidade dos sentimentos, assim como uma elasticidade estoica e sem culpa que são, sem dúvida, um porto seguro nesta leitura.
Estendi-me um pouco, mas foi um dos meus primeiros amores, e dos que me dá mais certezas que a literatura contemporânea tem muito para oferecer e por onde ir buscar magia.
Vocês gostam de leituras mais alternativas?